Pregação

BRILHAI COMO LUZEIROS NO MUNDO A OSTENTAR A PALAVRA DA VIDA – Fl 2,14-16

BRILHAI COMO LUZEIROS NO MUNDO A OSTENTAR A PALAVRA DA VIDA – Fl 2,14-16

(Conteúdo da pregação feita por Rogério Santos durante o Congresso Nacional de Pregadores RCCBRASIL – 17 a 19 de outubro de 2014)

 

A Carta aos Filipenses é uma das quatro Cartas escritas pelo apóstolo Paulo de dentro da prisão. (As outras 3 são: Efésios, Colossenses e Filemon).

 

O capítulo 2 de Filipenses aborda, de modo geral, o tema da obediência cristã. Depois de abordar a obediência de Cristo (vv. 5-11) – [Obediência até a morte, e morte de cruz. V.8] – o apóstolo Paulo fala na perícope seguinte (vv. 12-18) sobre a obediência que os cristãos de Filipos deveriam viver.

 

“Vós que sempre fostes obedientes” (v. 12), escreve o apóstolo aos filipenses, introduzindo assim o tema da obediência no contexto de sua exortação. “Obediência”, do grego îpakouein significa ouvir atentamente com o desejo de colocar em prática. Acredito que seja este o motivo pelo qual os pregadores do Brasil se reúnem aqui nestes dias: ouvir a voz de Deus, com o desejo de colocar em prática, seja na própria vida, seja em seu ministério.

 

Paulo exorta, porém, para que essa obediência não seja diminuída por ocasião de sua ausência: “não só como quando eu estava entre vós, mas muito mais agora na minha ausência”. (v. 12). Essa exortação é muito importante para nós, haja visto que muitos cristãos de hoje vivem uma “obediência de fachada”, somente agradar aos seus superiores mas que, no fundo, não estão dispostos a obedecer de boa vontade…

 

E por qual razão Paulo estava ausente? Porque ele encontrava-se preso.[1] E o mesmo apóstolo afirma que “é por causa de Cristo que estava preso” (cf. Fl 1,13).

 

Além da centralidade do tema da obediência, Paulo apresenta nessa Carta uma inquietação, muito cara, obviamente, ao seu ministério apostólico: o Progresso do Evangelho (cf. Fl 1,14-18).

 

Diante de sua inquietação e empenho de ver o Evangelho de Cristo se expandindo, Paulo detecta um sério problema entre os cristãos: há contendas internas na comunidade. E o mais preocupante para Paulo: aquelas contendas estavam relacionadas ao “ministério da pregação”. Uns pregam por inveja, outros por discórdia, e outros o fazem com a melhor boa vontade. (cf. Fl 1,15)

 

Parece que estamos aqui diante de um problema realmente muito sério nas comunidades carismáticas do cristianismo primitivo. A primeira Carta de Paulo aos Coríntios, talvez a comunidade mais carismática do Novo Testamento, traz também em seu início uma revelação similar a essa de Filipenses. Existe naquela comunidade um problema de divisão e contendas. Aquilo que a Bíblia Ave-Maria coloca como subtítulo “dissensão a respeito dos pregadores” se justifica pelos acontecimentos apresentados por Paulo:

 

Rogo-vos, porém, irmãos, pelo nome de nosso Senhor Jesus Cristo, que digais todos uma mesma coisa, e que não haja entre vós dissensões; antes sejais unidos em um mesmo pensamento e em um mesmo parecer. Porque a respeito de vós, irmãos meus, me foi comunicado pelos da família de Cloé que há contendas entre vós. Quero dizer com isto, que cada um de vós diz: Eu sou de Paulo, e eu de Apolo, e eu de Cefas, e eu de Cristo. ICor 1,10-12

 

Essa mesma exortação poderia ser dirigida a nós, pois há entre nós algumas contendas em que alguns caem na tentação de dizer: eu sou de Beatriz, e eu de Lázaro, e eu de Dercides, deste ou daquele coordenador de pregação… Infelizmente, ainda nos detemos em escolher um “grupinho” para justificar nosso estilo de pregação…

 

No texto de Filipenses, por sua vez, Paulo certamente tem como pano de fundo em sua exortação, a dificuldade interna da comunidade, sobretudo, aquela que poderia leva-los à perder-se em seu papel evangelizador.

 

Façamos uma análise de Fl 2,14-16, para melhor entendermos tal preocupação:

Bíbli Ave Maria Fazei todas as coisas sem murmurações nem críticas. (Fl 2,14)
Bíblia de Jerusalém Fazei tudo sem murmurações nem reclamações.
Texto grego dialogismw/n – O termo grego dialogismon (pensamentos, opiniões, raciocínios) é aplicado aqui em seu modo negativo = dúvida, disputa, contenda. Portanto, uma tradução que pode ser oferecida seria “Fazei tudo sem murmurações nem contendas.”

 

Notemos que é nesse contexto das contendas, objeto da preocupação de Paulo, que encontramos o nosso tema de hoje, afinal, o testemunho diante do mundo dependerá, inicialmente, de um testemunho de comunhão entre os cristãos pregadores.

14.Fazei todas as coisas sem murmurações nem críticas, 15.a fim de serdes irrepreensíveis e inocentes, filhos de Deus íntegros no meio de uma sociedade depravada e maliciosa, onde brilhais como luzeiros no mundo, 16.a ostentar a palavra da vida. Fl 2,14-16

 

Se os cristãos filipenses estavam sendo exortados por Paulo, muito mais estamos nós hoje recebendo essa mesma exortação, pois também em nossos dias temos nos deparado com situações semelhantes àquelas. Quantas murmurações; quantas disputas; quanto tempo perdido…

 

Antes, porém, de tirarmos algumas conclusões a respeito desse tema, prossigamos analisando algumas palavras do texto bíblico, recorrendo, sempre que for necessário, ao original grego.

 

Irrepreensíveis: (amemptoi) = não-culpados, irreprováveis – Significa que os cristãos devem ter uma elevada integridade moral.

 

Inocentes: (akeraioi) = sem mistura, puro, sincero = alguém que vive com pureza de caráter intrínseco, vive para os outros e não para si mesmo.

  • Irrepreensíveis e sinceros: natureza “interna”, ou seja, de coração e alma, e “externa”, com um testemunho autêntico.

 

Íntegros: (amoma) = sem defeito, sem culpa.

  • Termo usado para indicar a ausência de qualquer defeito nos animais que deviam ser sacrificados em holocausto.
  • Cristo é o “Cordeiro imaculado (amomu) e sem defeito algum.” (1Pd 1,19)
  • Cristo amou a sua Igreja e se entregou por ela para apresenta-la a si mesmo toda gloriosa, sem mácula, sem ruga, sem qualquer outro defeito semelhante, mas santa e imaculada (amomos), irrepreensível. (cf. Ef 5,25-27)

 

De modo geral, fica explícito no texto a intensão paulina de que dos cristãos é exigido o mais alto grau de pureza, a fim de que possam ser oferecidos, com Cristo, como holocausto de amor à humanidade.

 

A exortação de Paulo também se manifesta em virtude da realidade em que vivemos: Estamos no meio de uma sociedade DEPRAVADA e MALICIOSA.

 

Depravada e maliciosa: (skolia, diestrammenos) = geração pervertida, sem escrúpulos, desonesta, injusta, distorcida, corrupta. Trata-se de um comportamento externo desonesto e pervertido, e os filipenses (e nós também, hoje!) não deveriam participar das práticas pagãs de imoralidade, uma vez que haviam renascidos em Cristo e vivem a vida nova no Espírito.

 

Estamos seguros de aquilo que recebemos de Deus foi verdadeiramente um batismo no Espírito Santo e estamos já inseridos no contexto da vida nova no Espírito. No entanto, ainda verifica-se entre nós a falsidade, aquela que se manifesta no fingimento de nossas relações humanas; a falta de escrúpulo, sobretudo nas mentiras descaradas que circulam em nosso meio; na corrupção, especialmente aquela em que pregadores tentam tirar proveito daquilo que não lhes pertence, isto é, o ministério que exercem; na duplicidade de vida, que leva pregadores a dar um falso testemunho, na incoerência entre aquilo que fala e como se vive em sociedade. Deus está nos chamando à uma vida irrepreensível e pura, ou seja, uma vida na santidade!

 

Brilhai como luzeiros no mundo, a ostentar a Palavra da Vida!

 

Chegamos agora ao tema central de nossa reflexão. Gostaria de apresentar o tema momentos, analisando o versículo em dois momentos, a fim de melhor compreendê-lo.

 

A)     BRILHAI COMO LUZEIROS NO MUNDO

 

Luzeiros: O termo grego phoster significa “corpo luminoso”, geralmente usado para indicar as estrelas, ou até mesmo o sol. A Bíblia de Jerusalém traduz como “astros no mundo”. Porém, “astros” poderia permitir a interpretação de que podemos ser comparados à lua, um astro que não tem luz própria e que precisa receber a luz do sol para, por sua vez, também iluminar. Embora a Tradição tenha se servido dessa analogia para referir-se, por exemplo, a Maria, designando-a como aquela que recebe da Luz de Cristo, sol da Justiça, e que por sua vez pode refletir essa mesma luz sobre a humanidade, não parece ser esta a intenção do apóstolo Paulo nesse texto.

 

O termo phoster parece sugerir que o cristão não somente espalha ou reflete a luz, mas que objetivamente foi chamado a ser em Cristo uma fonte luminosa. Não seria exatamente isso que recebemos de Deus por ocasião de nosso batismo, a natureza da luz, aquela transfigurada pela paixão da Cruz do Senhor? Veja os textos seguintes:

  • “Outrora éreis trevas, mas agora sois luz no Senhor, comportai-vos como verdadeiras luzes.” (Ef 5,8)
  • “Vós sois luz a luz do mundo!” (Mt 5,14)

 

Podemos compreender daí que nossa natureza foi transfigurada em Cristo e que, por meio do batismo, nos tornamos LUZ NO MUNDO!

 

Brilhai como luzeiros no mundo!

 

No Sermão da Montanha, Jesus afirma: Vós sois a luz do mundo! [...] Não se acende uma luz para coloca-la debaixo do alqueire (pequeno móvel), mas para coloca-la sobre o candeeiro, a fim de que brilhe a todos… Aqui está a vocação do ministério de pregação: brilhem a vossa luz diante dos homens, para que vejam as vossas boas obras e glorifiquem vosso Pai que está nos céus. (Mt 5,14-16)

 

Também o apóstolo Paulo escreve sobre isto nos seguintes termos:

 

Outrora éreis trevas, mas agora sois luz no Senhor: comportai-vos como verdadeiras luzes. Ora, o fruto da luz é bondade, justiça e verdade. Procurai o que é agradável ao Senhor e não tenhais cumplicidade nas obras infrutíferas das trevas; pelo contrário, condenai-as abertamente. Porque as coisas que tais homens fazem ocultamente é vergonhoso até falar delas. Mas tudo isto, ao ser reprovado torna-se manifesto pela luz. E tudo o que se manifesta deste modo torna-se luz. (Ef 5,8-14)

 

Pregadores do Brasil, o mundo está sendo paganizado. Cresce a iniquidade na sociedade. A obra das trevas está avançando… Não temos tempo para disputas, divergências, brigas, divisões… Não sejamos tolos. O inimigo está nos enganando, colocando-nos para discutir questões periféricas. Quanto tempo gasto discutindo qual é o modo correto de pregar? Qual o melhor e mais correto estilo de pregação? Temos que pregar alto ou baixo? Rápido ou pausadamente…?

 

Precisamos ter claro aquilo que é a questão principal para nós, pregadores: fomos chamados e estamos sendo exortados pelo Senhor, neste dia: SEJAM LUZEIROS NO MUNDO!

 

Mas que tipo de “astro” devemos ser no mundo?

 

Espero que você não seja no mundo comparado a algum desses “astros”:

  • Meteoro: (Fragmentos de astros que atravessam a nossa atmosfera). Quando aparece todos falam dele, inclusive na imprensa; mas ele traz nenhum benefício à terra, não ilumina nada e logo desaparece;
  • Cometa: (Astro rochoso de forma esférica coberto de poeiras e gases congelados. Descreve uma órbita excêntrica em relação aos outros planetas. Torna-se visível quando se aproxima da estrela, os gases congelados descongelam e o cometa fica com um aspecto de cauda cabeleira e núcleo [gotas brilham], quando se afasta da estrela fica com o aspecto de uma esfera de gelo suja.) Não é difícil verificar que há pregadores que se assemelham ao cometa: excêntricos, aproveitam-se da luz dos outros para brilhar ou aparecer, mas que são em seu interior frios, de coração congelado e se contentam apenas uma passagem rápida pela vida do Movimento.
  • Estrela cadente: (São poeiras e gases provenientes de fragmentos de asteróides e de cometas que entram na nossa atmosfera e ardem.) Infelizmente, há pessoas que desejam “entrar na atmosfera” da RCC para prometer aquilo de que não são capazes de cumprir. Quando eu era criança e via uma estrela cadente, me diziam que eu poderia fazer um pedido naquele momento… Mas era tão rápida a passagem da estrela que não dava tempo nem de pensar no que pedir. A estrela desaparecia e eu ficava sem meu pedido… Parece-me que esse tipo de pregador “estrela cadente” também tem trazido este tipo de ilusão em nossos grupos de oração e eventos…

 

II          A OSTENTAR A PALAVRA DA VIDA

 

Obs.: O termo “ostentar”, do latim ostentare = mostrar, exibir (ostentação)

Bíblia Ave Maria “A ostentar a Palavra da vida”
Bíblia de Jerusalém “Mensageiros da Palavra de vida.”
Texto Grego Epechontes, epecho = manter alta, elevada (como uma tocha) a Palavra de vida, fixar a atenção, reter.

 

O texto paulino, portanto, poderia sugerir, num primeiro momento, manter a Palavra elevada, no alto. Mas, seria suficiente traduzir epecho como elevação ou ostentação da Palavra, no sentido de torna-la visível aos outros?

 

Epecho também significa “fixar a atenção”, segurar com firmeza, ou seja, devemos fixar a nossa atenção na Palavra da vida. Nós, pregadores, mais do que oferecermos aos outros – como quem oferece um copo d’água a outro mas que não bebe desta mesma água – devemos, ao contrário, manter os olhos fixos nesta Palavra, “retendo-a” para nós, como fonte de vida e transformação permanente. Somente deste modo poderemos deixar reinflamar em nós a chama do Espírito, renovando nossa natureza luminosa, eliminando as trevas de nossa própria vida.

 

Por fim, a PALAVRA DA VIDA (logon zoes) deve ser compreendida como a Palavra de Deus, a única que pode oferecer vida verdadeira que, para além da vida biológica, é vida (zoes) plena e eterna. “Senhor, a quem iríamos nós? Tu tens as palavras de vida eterna!” (Jo 6,68)

 

Queridos irmãos e irmãs, pregadores e pregadoras da RCC Brasil, é chegada a hora de vivermos como luzeiros no mundo, retendo primeiro em nós mesmos a Palavra da Vida e oferecendo-a ao mundo, na coerência madura de quem deseja falar e viver a Verdade!

 

Amem! Aleluia!

 


[1] A tradição diz que Paulo estaria numa prisão em Roma. Outros estudiosos, porém, defendem que ele estivesse numa prisão em Cesaréia ou Éfeso.