Pregação

CHAMADOS POR DEUS E CONDUZIDOS PELO ESPÍRITO

“Convém que destes homens que têm estado em nossa companhia todo o tempo em que o Senhor Jesus viveu entre nós, a começar do batismo de João até o dia em que do nosso meio foi arrebatado, um deles se torne conosco testemunha de sua Ressurreição.” Atos 1, 21 e 22

 

                Na perspectiva do tema proposto para este ano, “Se vivemos pelo Espírito, pelo Espírito pautemos também nossa conduta” (Gl 5,25), e com vistas a ajudar na reflexão pessoal dos pregadores e pregadoras, proponho aqui um itinerário que pretende nos ajudar nessa compreensão.

 

Trata-se da conhecida eleição de Matias que se associa aos onze, evidenciando o quão breve e sem demoras os rumos da igreja primitiva eram tomados.

 

Mas não quero me ater nesse grande milagre após Pentecostes, e sim nas condições que aqueles foram para a sala do cenáculo, que apesar da prostração creram na promessa partir de suas experiências pessoais com a pessoa de Jesus ressuscitado.

 

Lucas traça a meu ver um pequeno tratado a respeito das condições necessárias para fazer parte do grupo de Jesus; formações essas que os demais adquiriram previamente, visto que todos passaram pela catequese de Jesus e na qual hoje somos convidados a refletir se estamos nos adequando a essa exigência missionária sob o ponto de vista de conversão diária.

 

Vamos chamar os três passos citados na catequese de Lucas de “critérios”, sob o ponto de vista de um pequenino tratado, como já dito anteriormente.

 

  • Primeiro critério

 

“Que têm estado em nossa companhia…”  (Via humana)

 

Vemos aqui o que se espera daquele que deseja ser um discípulo, conhecer seu mestre. Jesus antes de qualquer coisa chama aqueles que irão caminhar com Ele, chama-os e depois os envia, mas só os envia porque os conhece de perto, sabe tudo sobre sua humanidade, cria vínculos. Segurava-os com laços humanos, com laços de amor” (Cf. Os 11, 4a)

 

É incompatível com a palavra alguém que quer ser discípulo, mas não tenha caminhado com o mestre; esse caminhar passa pela escola de Nazaré, pela carpintaria de José e finalmente no caminhar com Jesus.

 

O pregador a exemplo dos discípulos, passa pelo processo de introjeção em seus traços, ou seja, assimilar interiormente, inteiramente e exteriormente esses traços de maneira que as pessoas percebam muito rapidamente que sua identidade personalidade moldada pelo Espírito Santo, é parecida com a de Jesus, e embora sem deixar de ser uma pessoa.

 

Isto acontece com Pedro, ao ser reconhecido: Pouco depois, os que ali estavam aproximaram-se de Pedro e disseram: Sim, tu és daqueles; teu modo de falar te dá a conhecer, (Mt 26, 73). Podemos então nos perguntar: estamos parecidos com Aquele que anunciamos?

 

Contrastamos com a sociedade atual pelo nosso modo de viver e se comportar, uma vez que estamos sempre na companhia de Jesus? Pelo contrário, quem se une ao Senhor torna-se com ele um só espírito” ( 1 Cor, 6,17).  Paulo nos recorda que a união do homem com o Senhor nos garante essa relação de caráter espiritual na intimidade entre aquele que foi chamado e Aquele que chamou.

 

Daí formamos um caráter espiritual aos moldes daquele que é nossa companhia, e então nossa vida cotidiana de discipulado deve ser sempre acompanhada de Jesus e dos irmãos, do contrário o discípulo perde o termo de comparação na caminhada e isso o desqualifica da condição de “estar em nossa companhia o tempo todo”.

 

O estar na companhia trata diretamente sobre ter feito uma experiência real e definitiva com Jesus. Sem essa experiência verdadeira e estável, é impossível um anuncio “real e definitivo de Jesus”. O anúncio está comprometido se não houver uma relação de intimidade com Jesus na oração e na vida fraterna com os irmãos no seu mais rigoroso sentido.

 

Uma experiência superficial leva o pregador a se distanciar desse critério de proximidade, e como consequência, seu ofício poder se transformar em aridez devido a autossuficiência. Em detrimento ao desejo do anúncio, deseja antes ser mestre de outros. Essa experiência superficial desgasta a natureza do chamado, que não é totalmente perdida, mas poderá estar longe do motivo do anúncio, desejando ser em si o anunciado “Entre vós, porém, não será assim: todo o que quiser tornar-se grande entre vós, seja o vosso servo e todo o que entre vós quiser ser o primeiro, seja escravo de todos” (Mar 10, 43 e 44)

 

Por essas razões, Pedro e seus companheiros escolheram dois que traziam os sinais do mestre; Necessário era ser um homem experimentado na caridade, na convivência fraterna e no serviço aos irmãos. Sinais que se manifestam na pessoa, e por meio da pessoa, que tem uma amizade com Jesus intimidade. Intimidade que se aprofunda por meio da ascese.

 

  • Segundo critério

 

A começar do batismo de João (Via espiritual)

 

Perceba bem que Lucas vincula esta condição ao chamado de Jesus desde o início da sua vida pública, quando lá no Jordão acontece a descida do Espírito sobre Ele sendo os discípulos testemunhas oculares deste e de outros acontecimentos, definidores de seu ministério (Lc 3,22) com isso define um critério fundamental O batismo. Ou seja, a experiência do batismo na sua totalidade é fundamental para aquele que anuncia. Não há anúncio eficaz se não pela ação do Espírito Santo.

 

“Sem o Espírito de Jesus, a liberdade se atrofia, a alegria se apaga, a celebração se converte em costume, a comunhão se esfacela. Sem o Espírito a missão é esquecida, a esperança morre, os medos crescem, o seguimento de Jesus desemboca na mediocridade religiosa (Patriarca Atenágoras – Discurso por ocasião do encontro com Papa Paulo VI – terra Santa- 1964).

 

Quando conhecemos a vida de Jesus, o que Ele faz, sente e diz, concluímos: o homem é inexplicável sem o Espírito. Sem o Espírito, que se recebe no batismo, tudo se apaga; A confiança em Deus desaparece; A fé se debilita e consequentemente caímos.

 

Por isso, o grande protagonista da missão é o Espírito. A missão de Jesus não pode ser entendida a não ser pela experiência de deixar-se conduzir pelo mesmo Espírito num batismo entranhado na alma do anunciador

 

É preciso voltar às fontes, à raiz, descobrir que a pregação deve ser, um fruto do batismo. O Evangelho em toda sua pureza e verdade, que transforma de tal maneira que proporciona uma mudança de mentalidade.

 

Deixar-nos batizar pelo Espírito de Jesus não é, senão, nos deixarmos reavivar e recriar pelo Espírito. De outra forma, nós cristãos não teremos nada importante a contribuir com a transformação da sociedade, que se encontra vazia de interioridade, sendo incapaz para o amor solidário e carente de esperança; portanto, ausente de Deus.

 

Só o amor ardente e inabalável logra alegrar nossa existência e possui, pois transmite o segredo de dilatar o coração, nos colocando no lugar de servos que se esforçam para fazer o melhor, mas que possuem a certeza de que quem batiza no Espírito Santo, é Jesus, e que sem eles nenhum pregador ou pregadora pode ser alguém que de fato possa servir ao Senhor eficazmente.

 

Só o amor verdadeiro e ardente que o Espirito Santo nos dá no batismo nos faz alguém saber seu lugar, como João Batista: “ele tomou a palavra, dizendo a todos: Eu vos batizo na água, mas eis que vem outro mais poderoso do que eu, a quem não sou digno de lhe desatar a correia das sandálias; ele vos batizará no Espírito Santo e no fogo ( Mar 3,16)

 

Se muitas são as horas de tristeza, de abatimento e desejo de abandonar o ministério, é porque esse batismo ainda não é uma realidade concreta. Se o anunciador não estiver convencido de que Jesus o amor e se não pautar a sua vida a partir de uma experiência constante da fé revelada, sua pregação tende a ser uma junção de palavras ou conselhos pseudamente piedoso. Em contrapartida, se observarmos a tentativa de Lucas o batismo de João até o dia em que Jesus foi arrebatado, certamente o homem espiritual proposto e possível é aquele que se revela ao mundo num anúncio vivo e eficaz Com efeito, aquele que Deus enviou fala a linguagem de Deus, porque ele concede o Espírito sem medidas” (Jo 3,34)

 

  • Terceiro critério

 

Se torne conosco testemunha de sua Ressurreição (Via da Cruz e da Glória).

 

Os Apóstolos discípulos tinham bem claro que aquele que seria incluso no grupo dos doze necessariamente precisaria ter visto o ressuscitado. Além disso precisaria ter compreendido o sacrifício de Jesus e suas consequências, bem como a ideia de que logo eles também poderiam ser martirizados por causa de Jesus.

 

Lembremos de Estevão, que no momento de martírio experimentou a via da cruz, e entretanto, pelo Espírito que o batizara se manteve olhando fixo para o céu, via de glória. “Mas, cheio do Espírito Santo, Estêvão fitou o céu e viu a glória de Deus e Jesus de pé à direita de Deus: Eis que vejo, disse ele, os céus abertos e o Filho do Homem, de pé, à direita de Deus ( Atos 7, 55 e 56).

 

Ele viu o céu aberto, talvez como recompensa, ou como estímulo para que continuasse a testemunhar a ressureição, enquanto seus algozes destilavam ódio, o pregador compreendia ignorância deles e os perdoava. A experiência do amor de Deus passa pela cruz e culmina no céu.

 

Ser testemunha da ressureição implica em aceitar o que Deus permitir que passemos, sem nenhuma murmuração, nem persistir sempre no descontentamento, senão o espírito desfalecerá diante de mim, assim como as almas que criei. ( Is  57, 16b). Mesmo sendo apedrejado, o espirito de Estevão estava firme, pronto, pois tinha um projeto no coração: a glória de Deus.

 

Permita-me perguntar: Qual é o seu projeto?

 

Quando Lucas escreve “se torne conosco” fica claro que Pedro já se destaca como o primeiro entre os iguais e tem uma intuição que mesmo tendo Jesus soprado sobre eles e tendo recebido o Espírito eles perseveravam com vistas a uma promessa, mas descerá sobre vós o Espírito Santo e vos dará força; e sereis minhas testemunhas em Jerusalém, em toda a Judéia e Samaria e até os confins do mundo” ( At 1,8)

 

A força assim chamada por Jesus nos ajuda a passar com humildade e gratuidade as tribulações e reveses. Mesmo no meio das dores, fadigas acabrunhadoras e diárias, revoltas interiores, emendas necessárias face aos desvios no campo da moral, só um espírito contrito compreende essa necessária graça da cruz. O verdadeiro discípulo utiliza todos os triunfos e reveses, submete-os com humildade ao poder do Espírito para aumentar a sua esperança e dilatar a sua alma num abandono na experiência da cruz que lhe fará testemunha da ressurreição.

 

“Tudo padeceu por nós para alcançarmos a salvação; e padeceu de verdade, como também de verdade ressuscitou a si mesmo” (Cf Da Carta aos Esmirnenses, de Santo Inácio de Antioquia, bispo e mártir.Inscriptio; nn. 1,1–4,1: Funk 1, 235-237 -Séc. I)

 

A paixão, morte e ressureição de seu mestre para, de verdade, testemunhar algo que ele viu e ouviu.

 

Ao coroar Cristo Pilatos disse: Eis o homem!” ( Jo 19, 5). Em outras palavras, este é um modelo a ser seguido, este é o homem ideal, perfeitíssimo, o universal perfeito na sua totalidade. Os apóstolos pretendem imprimir para si e para o novo companheiro a necessidade iminente da compreensão da cruz e da ressureição, e isso só é possível a partir do momento em que olhamos o campo de missão do centro para fora; portanto, com olhar de Jesus que deve estar no centro da vida e não nas periferias.

 

 

Não é possível olhar para fora sem testemunhar, passar por dentro do calvário interior de nós mesmos, e é ali que vamos vencendo, se me permite, a nossa faixa de gaza com tantos conflitos!

 

A Cruz revela quem somos de fato e nos faz olhar para Cristo despojados de nós mesmos; a arma poderosa da Cruz nos desarma completamente.

 

“Se procuras um exemplo de humildade, contempla o crucificado: Deus quis ser julgado sob Pôncio Pilatos e morrer” ( Das Conferências de Santo Tomás de Aquino, presbítero – Colatio 6 super Credo in Deum – Séc.XIII).

 

Na paixão de Cristo encontramos remédio contra todos os males que nos sobrevêm por causa dos nossos pecados. A paixão de Cristo é suficiente para orientar nossa vida inteira. Quem quiser viver na perfeição, basta desprezar aquilo que Cristo desprezou na cruz e desejar o que ele desejou. Na cruz não falta nenhum exemplo de virtude.

 

Se, portanto, temos na cruz e na ressurreição todos os exemplos de virtude, logo, no batismo, recebemos tais virtudes na sua integralidade, pois “Deus-Filho se fez aquilo que somos, para que nós viéssemos a ser aquilo que Ele é” (S. Irineu. Adv. Haer. Praef. PG 7,875; 7,1120;).  Quando decidimos ser com os irmãos testemunhas da ressureição, estamos dispostos a permitir essa ação libertadora do Filho, que diante de Deus roga por nós.

 

E mais, cada vez que testemunhamos Cristo pela virtude do Espírito, nos moldamos a Ele dia-a-dia tão naturalmente que o mundo vê, sem esforço, os traços do ressuscitado em nossas ações. Não podemos nos limitar a ficar admirando o mestre como os discípulos ficaram ao olhar para o céu ao vê-lo partir; mas, além de compará-lo em sua glória precisamos prioritariamente imitá-lo. Só assim poderemos ser participantes da sua glória.

 

Que o Espírito nos ajude a viver essas dimensões com resiliência suficiente para suportar cada desafio que se nos impõe as consequências da nossa pregação, que Ele nos convença quanto ao homem e à mulher espiritual que devemos ser; que o Espírito nos inspire bons e sinceros propósitos de retidão e verdade em tudo; que nossa vida se conforme com a vida de Cristo. Dessa forma, certamente pautaremos também nossa conduta de acordo com o Espírito.

 

Louvado seja Nosso Senhor Jesus Cristo!

 

Para sempre seja louvado!

 

 

Ademir Manoel do Nascimento

GO Nova Aliança, Barueri/SP

Equipe Nacional do MP RCC/BR