Irmãs e irmãos, graça e paz.
Que princípio orienta as relações dirigentes-dirigidos entre nós?
Todos nós que recebemos a graça de viver no Espírito Santo, aceitando de bom grado este verdadeiro e definitivo chamado de Deus para o ser humano – “A vida no Espírito realiza a vocação do homem” (Catecismo, 1699) – começamos a nos esforçar para receber do Espírito do Senhor a compreensão da Palavra de Deus. E nesta busca, não raras vezes, nos deparamos com situações incompreensíveis e inaceitáveis ao ser humano que vive somente a vida natural; “a vida na natureza”, pode-se dizer, como já havia sido constatado por um Apóstolo cuja vida convertida ao Senhor foi vivida inteiramente no Espírito: “pregamos numa linguagem que nos foi ensinada não pela sabedoria humana, mas pelo Espírito, que exprime as coisas espirituais em termos espirituais. Mas o homem natural não aceita as coisas do Espírito de Deus, pois para ele são loucuras. Nem as pode compreender, porque é pelo Espírito que se devem ponderar” (1Cor 2,13-14).
Uma dessas situações que para muitos pode ser incompreensível e inaceitável é a submissão. O mundo clama por independência! E cada átomo do nosso ser parece ouvir o clamor do mundo, desejando também dar um milhão de “gritos do Ipiranga”.
Num ambiente cristão, no qual se faz opção clara pela santidade, é de se estranhar como para muitos é difícil conciliar independência cívico-política com submissão espiritual prática.
Como conciliar o aparentemente inconciliável?
Certa vez, há mais ou menos vinte anos, numa conversa informal depois de uma reunião, ouvi de longe o Taciano dizer para algumas pessoas (não me lembro do contexto porque eu não fazia parte da conversa) que a Igreja é presidida na caridade. Em verdade, à Igreja se preside (lidera, coordena, dirige, conduz) na caridade; principalmente quando se trata de expressões leigas da Igreja, como os movimentos eclesiais. A Renovação é um movimento eclesial.
A parte da caridade que cabe ao dirigente é muito enfocada na Igreja, mas pouco entendida, a ponto de se confundir caridade com omissão, levando a pseudocondutas, na verdade omissões, antibíblicas e diametralmente opostas ao ensinamento da Igreja.
O que não se enfoca entre nós é a caridade por parte dos dirigidos, tão essencial para a vitalidade da relação dirigente-dirigidos num ambiente laical “quase anárquico” como o nosso. É que não há hierarquia formal entre leigos! Não há poder canônico, civil ou administrativo que nos una ou nos submeta uns aos outros! Há a Palavra de Deus – “Sujeitai-vos uns aos outros no temor de Cristo” (Ef 5,21) –, que, lamentavelmente, é rejeitada por aqueles que optam por viver, em atos e ações, “a vida na natureza”, em vez de viver a vida no Espírito, mesmo que estejam entre nós exercendo ministérios ou serviços.
Ora, em tal ambiente sem regras jurídicas, morais ou éticas é muito fácil recusar o princípio divino pelo qual Jesus nos salvou. Que princípio é este? Este é o princípio da obediência. Jesus se tornou autor da nossa salvação porque obedeceu ao Pai. E nós poderemos ajudá-lo a salvar filhas e filhos de Deus, levando-os a ele, se também obedecermos!
Entretanto, o mal não é somente recusar o princípio da obediência! Definitivamente este mal não viaja sozinho! Ele costuma fazer-se acompanhar pela desobediência que traz consigo o maior princípio de conduta do Maligno: a rebelião!
A rebelião pode começara como pequenas chantagens, “caras feias”, muxoxos desaprovativos, diminutos emburramentos, até evoluir para boicotes ou grandes motins. É por rebelião que muitos envenenam irmãos contra os dirigentes.
Assim, podemos resumir estes princípios espirituais em duas frases: OBEDIÊNCIA (sujeição) É UM PRINCÍPIO DIVINO. DESOBEDIÊNCIA (rebelião) É UM PRINCÍPIO MALIGNO.
Creio que a esta altura devo pedir desculpas a quem teve o amor de ler o texto até aqui! Desculpe-me pela singeleza de raciocínio! É que esta questão, da forma que a vejo, é simples assim: ou obedecemos, sujeitando-nos uns aos outros, em Cristo, e nos colocamos no centro de um dos principais princípios divinos, ou nos colocamos à disposição do “rebelador” por natureza. Não vejo como criar um “meio-termo”, um ambiente de praia: nem terra, nem mar. Nem terra nem mar seria mornidão, já execrada por Deus: “Ninguém pode servir a dois senhores, porque ou odiará a um e amará o outro, ou dedicar-se-á a um e desprezará o outro. Não podeis servir a Deus e à riqueza” (Mt 6,24). “Mas, como és morno, nem frio nem quente, vou vomitar-te” (Ap 3,16).
Após as desculpas e a justificativa pela simplicidade, sigamos…!
Quem disse que não há regra de conduta que regule a relação dirigente-dirigido entre nós? Eu?! Não! Eu não disse isso! Há regra sim! Regra de ouro! A caridade é a regra! A caridade praticada por quem dirige, principalmente para não ser omisso e para agir com fraternidade; e também praticada por quem é dirigido, de modo a se submeter, em Cristo, ao gerenciamento de quem Deus escolheu para conduzir o seu povo.
Sem caridade a obediência é impossível! Sem caridade prática, ninguém se submete a outrem!
Nossos dirigentes só terão autoridade sobre nós se cada dirigido lha conceder de bom grado e docilmente!
Ninguém tem poder para convencer alguém! No máximo, é possível que alguém, com base em nossos argumentos, se convença a si mesmo, pois os atos de entender, compreender, “ver razões do outro” são plenamente livres. Por circunstâncias, atos ou fatos externos a pessoa pode até “se dobrar” em alguns momentos ou em certas etapas da vida, mas podem permanecer com o coração e a vontade intactos, “intocados” pelas razões de outrem, mesmo quando aparentemente se dobre.
Essas constatações esclarecem a importância da caridade que pode levar os dirigidos a se submeterem aos dirigentes por amor a Jesus, conforme Ef 5,21.
De modo prático, pelo modelo organizacional e gerencial-administrativo que a RCCGOIÂNIA tem adotado nos últimos anos, é possível cumprir a regra de caridade expressa em Ef 5,21: “Sujeitai-vos uns aos outros”. Trata-se de sujeição mútua.
Como isso ocorreria?
Vou exemplificar!
Durante a reunião do Conselho da RCCGOIÂNIA todos os conselheiros estão no mesmo “nível hierárquico” orando, discernindo e deliberando. Desses discernimentos e deliberações propõem-se ações, que, se vistas corretamente do ponto de vista administrativo, são decisões que devem se materializar em ações. Não há como falar em ações que não sejam atividades praticadas. Fora da prática estaríamos somente no mundo das idéias, isto é, “obedecendo” sem obedecer! Obediência somente de sentimentos não é obediência. Jesus também nos disse que não quer esta “obediência sentimental”:
“Que vos parece? Um homem tinha dois filhos. Dirigindo-se ao primeiro, disse-lhe: – Meu filho, vai trabalhar hoje na vinha. Respondeu ele: – Não quero. Mas, em seguida, tocado de arrependimento, foi. Dirigindo-se depois ao outro, disse-lhe a mesma coisa. O filho respondeu: – Sim, pai! Mas não foi. Qual dos dois fez a vontade do pai? O primeiro, responderam-lhe. E Jesus disse-lhes: Em verdade vos digo: os publicanos e as meretrizes vos precedem no Reino de Deus!” (Mt 21,28-31).
Expressas as decisões a serem praticadas, todos os conselheiros, a começar por quem estiver presidindo, precisa se sujeitar, praticando, o que foi deliberado, decidido; sob pena de quebra de unidade.
A omissão quanto à prática das deliberações (decisões) levam à quebra da unidade de missão, que é uma das mais importantes para a Igreja.
E os “votos vencidos”, estariam livres da submissão? Evidentemente, não estariam livres! E, estes “votos vencidos”, mais do que os outros, poderão ter a oportunidade de exercitar a caridade em uma de suas formas mais fortes, mais expressivas, que é obedecer contrariando a própria natureza.
Assim, cada conselheiro e conselheira, submetendo-se uns aos outros em Cristo, e cada integrante de conselhos regionais, de núcleo apostólico de grupos de oração e de ministérios ou serviços submetendo-se também uns aos outros, tanto entre si, quanto nas “relações hierárquicas”, principalmente executando as deliberações e decisões dos dirigentes, teremos entre nós o exercício prático da caridade materializado na obediência e na submissão dócil e amorosa; tudo conforme o princípio divino da obediência.
Quem gostaria de coordenar um povo assim?
“Tudo o que quereis que os homens vos façam, fazei-o vós a eles. Esta é a lei e os profetas” (Mt 7,12).
Muito obrigado!
Deus os abençoe!
Dercides Pires da Silva